Três princípios para combater a interferência da ansiedade

Sumário

Walter Riso

O princípio da aceitação incondicional: “Eu tenho valor”

Esse princípio é fundamental para a saúde mental. A regra é maravilhosamente simples:

Devo aceitar minha essência. Enquanto estiver vivo, tenho valor por mim mesmo, sem precisar de razões nem motivos, não pelo que faço ou tenha deixado de fazer, tampouco pelo que tenho ou tenha tido alguma vez. Meu valor pessoal está na minha existência, não nas minhas conquistas. Meus êxitos ou fracassos não podem medir o meu valor essencial como ser humano, simplesmente porque sou mais do que isso.

A aceitação incondicional sugere que posso reconhecer e criticar meus erros sem me considerar desprezível e indigno por isso. A minha dignidade nunca está em jogo. Uma coisa é aceitar que devo mudar porque cometi um erro, e outra é condenar a mim mesmo como ser humano. A autocrítica sadia é a que chega pela via do amor-próprio: “Eu me critico porque gosto de mim e desejo melhorar”, e não pelo autodesprezo. Sou muito mais que os meus erros. Sou humano, muito humano, demasiado humano, diria Nietzsche.

Façamos uma analogia como o amor que sentimos por nossos filhos mais velhos, para logo transferir para nós mesmos. Há muitas coisas neles das quais não gostamos e que inclusive não suportamos com facilidade. Podemos considerar que alguns dos seus comportamentos são francamente desagradáveis, podemos criticá-los e repreendê-los e, no entanto, apesar da inconformidade e das dores de cabeça que nos causam, os amamos imensamente. O amor que temos por eles nunca está em jogo, jamais está condicionado a uma boa nota ou a que se comportem bem. Condicionamos os prêmios ou os privilégios ao comportamento, mas não ao afeto. Amamos pelo que são, com o bom e o ruim nas costas. Mais ainda: quanto mais problemas têm, mais os amamos, porque mais precisam de nós. O amor por nosso filhos não está condicionado.

De forma similar, a autoaceitação incondicional é um fator de proteção para a autoestima. Posso ficar chateado comigo mesmo, não me aguentar um dia ou nem sequer consiga me olhar no espelho, mas apesar de tudo nunca questiono o meu valor, nunca coloco em desequilíbrio o meu amor-próprio, não tento me destruir. É um dever para com a vida que carrego, mais do que um direito.

Você pode e tem a obrigação de mudar, e mais ainda quando o seu comportamento afeta irracionalmente o mundo que o rodeia ou você mesmo. Mas esta transformação deve estar fundamentada na convicção de que errou, e não na ideia de que você é “mau” e “deve tornar-se bom”. De fato, pode sentir-se mal pelo que fez, mas não se autocondenar. E enquanto tudo isso acontece, enquanto você se critica e a sua mente tenta compreender o que ocorreu e por que falhou, o seu verdadeiro “eu” se comove, se ama, se cuida e se renova.

Aceitar-se incondicionalmente, apesar de ser imperfeito, é fechar a entrada à vergonha patológica e também despreocupar-se do aborrecido “o que vão dizer”. A imagem psicológica que projetamos, mesmo que soe retórica, é o reflexo do que somos por dentro. Se nos sentimos bem conosco mesmos, seremos autênticos e assertivos, não haverá nada de que se envergonhar nem nada a esconder. O que conta é a identidade, a essência da qual somos feitos. Uma pessoa que se sente digna não é inatacável, mas transparente; não procura aparentar, mas ser.

O princípio de comparar ideias com a realidade: “Pensar como um cientista”

Os humanos são especialistas na arte do autoengano. Os túneis da mente são um gigantesco labiriento onde muitas vezes perdemos a nós mesmos. Gostamos de fantasiar, sonhar acordados, criar utopias, fazer passes de mágica, imaginar o que não existe e transformar o que existe para torná-lo inimaginável. Construímos mundos fabulosos, fantasmagóricos e encantados para fugir da realidade. Somos assim, e não é ruim se soubermos para a tempo.

Piattelli-Palmarini ressalta que o nosso inconsciente cognitivo comete erros imensos na hora de processar a informação. Mostramos uma excessiva confiança nas previsões que fazemos, fazemos correlações ilusórias, utilizamos o pensamento mágico para tomar decisões, ficamos ancorados a paradigmas, confundimos a parte com o todo, sofremos de daltonismo em relação às probabilidades, enfim, alteramos a informação conforme o nosso prazer e, o que é mais grave, nos sentimos orgulhosos ao fazê-lo. Como se fôssemos uma forma evoluída de ignorância atrevida.

Nossa mente funciona com uma regra conhecida como realidade restrita, que consiste em negar ou excluir a informação que não coincidir com as nossas crenças e facilitar o processamento daqueles dados que forem congruentes com elas. Ou seja, trapaceamos e fomentamos o autoengano conforme a nossa conveniência. Para amenizar um pouco a culpa e falar a nosso favor, podemos dizer esta “distorção de acomodação” não é consciente.

Mas nem tudo é negativo. Há pessoas racionais, no bom sentido (ou seja, que fazem uso moderado e inteligente da razão), que procuram de todos os meios ao seu alcance não distorcer nem alterar demais a informação e ajustam, como qualquer com cientista faria, a prova da realidade. Assim, cada pensamento é tomado como uma hipótese que é preciso cotejar com os fatos. Essa atitude não significa que devamos andar de avental branco e ter cara de rato de laboratório. Tampouco implica eliminar o jogo ilusório da nossa vida, descartar por inteiro o encanto das intuições ou matar as emoções: apenas trata-se de colocar em ação a lógica quando for necessário.

O princípio de submeter as ideias à prova implica em verificar se os nossos pensamentos têm fundamento ou não. Deixar que a realidade objetiva confirme ou não nossas previsões.

As pessoas ansiosas passam a vida fazendo previsões catastróficas que costumam não acontecer. Uma das minhas pacientes sofria de ansiedade generalizada e vivia profetizando coisas terríveis como doenças terminais, estupros, roubos e terremotos. A prova da realidade consistiu em registrar as previsões negativas que fazia diariamente e ver quantas delas ocorriam num lapso de seis meses. Os registros mostraram em torno de dez mil previsões calamitosas (umas cinquenta por dia), todas erradas. O número total, calculando os dez anos em que ela havia sofrido de ansiedade generalizada, foi de duzentas mil profecias não cumpridas. A conclusão falava por si: “Você não é uma boa adivinha”.

Espinosa, na Proposição 73 da Ética, expressa:

“O homem guiado pela razão não é levado a obedecer pelo medo”.

Falamos de decisões baseadas no “razoável”. Eu me pergunto se a moda da inteligência emocional não nos terá feito descuidar das “boas razões”. O homem “guiado pela razão” do qual fala Espinosa é aquele que se inclina diante da evidência empírica.

Explorar os nosso pensamentos e submetê-los ao exaustivo exame dos fatos vai criando uma atitude saudável, antidogmática e aberta ao mundo. Sem a curiosidade experimental de saber o quão longe ou perto estamos da verdade, seguiremos nos apegando à superstição e nos amparando na irracionalidade.

O princípio da exposição ativa: “Enfrentar o medo”

O conhecimento, o saber, a razão e a lógica podem amenizar alguns medos e eliminar outros de forma radical; no entanto, não necessariamente fornecem coragem. A valentia é uma atitude, como dizia Descartes, que tem bastante de passional. Não podemos viver sem ousadia, precisamos dela para amar, para chorar, para gritar, para nos defendermos, para renunciar, para combater, para dizer não, para ser feliz e para mil coisas mais. A coragem é o motor da existência digna. Tal como disse antes, ser valente não é ser suicida, mas misturar paixão e razão para sustentar-se um minuto a mais que os demais na situação temida. Aguente mais um segundo e será condecorado! O herói não desconhece a adrenalina, vive-a intensamente, suporta-a até alcançar a sua meta. Não há heroísmo sem obstinação, e não há valentia sem esforço.

A pessoa que exercita a coragem como virtude jamais esquece a exceção à regra, é um especialista em discernir quando se justifica e quando não, reconhece que para depor as armas também é preciso coragem. Outra vez, Espinosa e sua Ética:

“Num homem livre, a fuga a tempo revela a mesma firmeza da luta. Ou seja, o homem livre escolhe a fuga com a mesma firmeza ou presença de ânimo que o combate.” (Corolário da Proposição 69)

Eu acrescentaria que, além da grandeza moral, requer inteligência prática: a capacidade de pensar e avaliar as consequências. Para que a coragem seja virtuosa, ale´m de um coração vivaz, é preciso um cérebro bem aprumado.

Em psicologia clínica, a regra principal para vencer o medo é enfrentá-lo, expor-se a ele e esgotá-lo. É claro que muito desses atos de valentia devem ajustar-se a certos procedimentos técnicos, já que se a exposição estiver mal planejada o paciente pode sensibilizar-se. Mas, em termos gerais, ninguém duvida que a audácia e o experimentalismo responsável como forma de vida diminuam as probabilidades de adquirir doenças psicológicas relacionadas com a ansiedade.

O princípio da exposição ativa propõe um estilo orientado a assumir os riscos necessários para vencer o medo. É impossível superar o medo, seja qual for, olhando ele à distância, negando-o ou fugindo. É preciso aventurar-se e entrar no olho do furacão, seja de maneira suave ou abrupta, sozinho ou com ajuda profissional, com medicamentos ou sem eles, seja como for; é preciso lutar contra o medo ou, se for o caso, sofrer dele até que possamos rir. É preciso enfrentá-lo, chamá-lo, convidá-lo a entrar e jogar no nosso campo: é preciso assustar o medo.

Walter Riso, 2015