Invertendo Descartes: o raciocínio emocional

Sumário

Aristides V. Cordioli

Descartes, filósofo francês que viveu de 1596 a 1650, preocupava-se, como muitos outros filósofos, em saber o quanto nossos conhecimentos são verdadeiros. Considerava a razão como o único instrumento com o qual se poderia contar para chegar a conclusões verdadeiras e irrefutáveis. Começou a construir seu sistema filosófico com o que chamou de dúvida metódica. Tal sistema consistia em duvidar de tudo. Em suas dúvidas, entretanto, havia uma única coisa sobre a qual ele podia ter certeza absoluta: o próprio fato de estar duvidando, ou seja, pensando. Foi a partir dessa conclusão que cunhou a célebre frase: “Penso, logo existo”. No seu entender, o ato de pensar era a prova cabal da própria existência. Estabeleceu como critério de verdade a ideia clara e distinta. Descartes era um racionalista e usava a razão para estabelecer conclusões, em uma linha de pensamento semelhante à de Sócrates, ambos acreditando no poder da razão para se chegar ao conhecimento verdadeiro. Não se deram conta de que, muitas vezes, as emoções impedem o uso da razão ou, se não impedem, atrapalham, pois distorcem a forma de perceber e de interpretar a realidade.

Muitos portadores de TOC [Transtorno Obsessivo-Compulsivo] fazem o raciocínio inverso ao de Descartes, pois acreditam que o simples fato de sentirem aflição indica que o que estão pensando naquele momento é verdadeiro, importante ou que pode vir a se concretizar. São exemplos desse tipo de pensamento: “o simples fato de ter um pensamento que me perturba significa que ele é importante” (raciocínio emocional); “se me provoca aflição ou medo, é porque deve ser verdade ou possível” ou “se me provoca medo, é porque deve ser perigoso”. Em outras palavras, acreditam que a mera presença de um pensamento de conteúdo impróprio, agressivo ou sexual, ou o fato de lhes vir à mente determinada palavra ou lembrança, quando acompanhadas de muita aflição, significa que são importantes, perigosos, possíveis ou verdadeiros. (“É importante porque provoca aflição” ou “É importante porque penso muito nisso”.) Tal noção configura o que alguns chamam de raciocínio cartesiano emocional ou, simplesmente, raciocínio emocional, o qual contraria as leis da lógica, pois não tem fundamento.