A era da ansiedade

Sumário

Robert Leahy

Uma doença moderna

Vivemos na Era da Ansiedade.

Dentro de poucos anos, cerca de 18% dos norte-americanos sofrerão de um transtorno de ansiedade. Esse número é duas vezes maior do que o índice de depressão – que, apesar disso, recebe mais atenção. Ao longo da vida, o número de pessoas que sofrerá de ansiedade sobe para 30%. Essas estatísticas são notáveis. Da mesma forma que a depressão clínica é muito mais grave do que o fato de algumas pessoas às vezes se sentirem “para baixo”, a ansiedade clínica é muito mais grave do que estar sujeito às preocupações do cotidiano. A verdade é que a ansiedade é algo sério. Se você sofre de ansiedade, a chance é de que isso tenha um grande impacto sobre sua vida. As pessoas com transtornos de ansiedade frequentemente se descobrem como incapazes de trabalhar de modo eficaz, de ter uma vida social, de viajar ou de ter relações estáveis. Elas podem passar deliberadamente por todo tipo de estratagemas, somente para evitar encontrar certas pessoas, locais ou atividades, inclusive dirigir um carro, viajar de avião e entrar em elevadores. Podem não conseguir enfrentar multidões, participar de reuniões sociais, estar em espaços abertos ou se deparar com mínimas quantidades de sujeira. Em geral, não conseguem dormir bem. Algumas delas se tornam socialmente reclusas ou caseiras. Em casos extremos, um transtorno de ansiedade precisará de hospitalização. Para quem realmente sofre de ansiedade, a condição vai bem além de se atormentar com o imposto de renda ou de ter medo de aranhas. Trata-se de uma doença real e duradoura, que tem consequências impactantes sobre a vida.

Mas o problema não termina aí. Quem sofre de um transtorno de ansiedade tem maior tendência a se tornar clinicamente deprimido, dando a impressão de sofrer de duas condições debilitantes ao mesmo tempo. Também tem maior tendência a fazer uso de substâncias, como o álcool. E restam poucas dúvidas de que ter um transtorno de ansiedade faça mal para saúde. O transtorno tem sido associado a problemas cardíacos, hipertensão, desconforto gastrointestinal, doenças respiratórias, diabete, asma, artrite, problemas de pele, fadiga e uma série de outras condições. A ansiedade afeta cerca de 16% das crianças, causando impacto significativo sobre seu desenvolvimento. As crianças com transtorno de ansiedade têm mais problemas na escola (tanto acadêmicos quanto sociais) e muito mais chances de se tornarem adultos com problemas psicológicos. A ansiedade, diferentemente de outras doenças mais modestas, é uma condição que causa impactos graves sobre a saúde e o bem-estar, em termos gerais.

Isso tudo tem um custo, para a sociedade e para os indivíduos. O custo do tratamento dos transtornos de ansiedade chega a milhões de dólares; cerca de um terço dos custos médicos de todos os problemas psiquiátricos é para o tratamento da ansiedade. As pessoas com transtornos de ansiedade são menos produtivas no trabalho e têm maior propensão a usar os serviços médicos e emergências. As pessoas com transtorno de pânico recebem cinco vezes vezes mais pagamentos por incapacidade física do que a média. Ainda que bastante fora das estatísticas oficiais, milhões de pessoas que sofrem de sintomas de ansiedade – sejam estes diagnosticados como “transtornos” ou não – consultam profissionais da medicina das mais diversas áreas, com reclamações relativas à ansiedade. Ninguém consegue definir ao certo o peso que isso tem sobre o sistema de saúde. Mas não há dúvida de que o estresse que sentimos como indivíduos é percebido como um estresse coletivo da sociedade como um todo.

A ansiedade está aumentando?

Algo sobre tudo isso, que tem sido difícil de ignorar, é que as coisas têm piorado. Os índices de ansiedade geral aumentaram vertiginosamente nos últimos 50 anos. O aumento mais significativo ocorreu entre 1952 e 1967, mas os números continuaram a crescer desde então. Na verdade, a criança média hoje exibe o mesmo nível de ansiedade do paciente psiquiátrico da década de 1950.

Por que esse aumento? Não estamos melhor do que no passado? As pessoas não vivem mais tempo e recebem mais tratamentos médicos do que antes? Muitos dos riscos comuns da vida não foram eliminados ou drasticamente reduzidos, como a mortalidade infantil, a desnutrição e a varíola? Não estamos mais bem preparados contra os problemas causados pela temperatura e pelo clima? Nossas casas não são maiores e mais confortáveis, repletas de aparelhos que facilitam nossas vidas e nos livram de trabalhos mais duros e perigosos? Não é verdade que um número maior de pessoas se aposenta mais cedo, pratica esportes, passa férias em países tropicais? Não temos seguros contra desemprego, capacetes para andar de bicicletas, forças policiais confiáveis, melhores dentes? Poucas pessoas precisam de fato sair durante uma tempestade de neve, atravessar um rio tempestuoso ou ir à floresta para buscar comida ou madeira para usar como combustível. Qualquer pessoa pensaria que, pelo fato de nossa sociedade nos manter, no geral, hoje, mais protegidos das catástrofes, que nosso nível geral de ansiedade teria diminuído. Na verdade, esse nível aumentou. Transformamo-nos em uma sociedade de pessoas muito nervosas. O que explica isso?

Aparentemente, há outros fatores, além do conforto material e da segurança. Um deles parece ser o nível de “conexão social” que experimentamos em nossas vidas. Ao longo do último século, nossos laços com outras pessoas passaram a ser menos estáveis e previsíveis. O divórcio é muito mais comum, e as famílias estão divididas e espalhadas. As chamadas famílias estendidas, em que as pessoas de um mesmo grupo familiar vivem juntas ou perto umas das outras, hoje é algo raro. As comunidades locais se tornaram muito menos coesas, dispersas pela mobilidade econômica, pelas estradas e pelos automóveis, além de os locais de compras e entretenimento estarem cadas vez mais distantes. A participação nas atividades da comunidade é só um pálido reflexo do que foi um dia. As cidades e os subúrbios substituíram as cidades pequenas; as pessoas estão mais isoladas de seus vizinhos. Cada vez mais pessoas vivem sozinhas. Em muitos lugares, o crime aumentou; as ruas não são mais locais seguros. O terrorismo parece ser uma ameaça real. Como a globalização e a competição econômica se intensificaram, a segurança no emprego diminuiu; pessoas são dispensadas de seus trabalhos de maneiras que pareceriam impossíveis há uma geração. Muitas pessoas não podem mais contar com pensões ou aposentadorias adequadas na velhice. Todos esses fatores contribuem para o sentimento de que a vida não é mais tão segura quanto já foi. O apoio da “tribo”, de que a evolução nos acostumou a ser dependente, não está disponível como antes.

Essas mudanças também têm estado acompanhadas de mudanças no modo como pensamos sobre nossas vidas. Nosso senso de autoconfiança deu espaço ao sentimento de que somos controlados por forças maiores distantes, cujos mecanismos são apenas obscuramente conhecidos. Ao mesmo tempo, nossas expectativas em relação ao conforto material aumentou por causa da riqueza, em função de nossas novas identidades como consumidores, e não como cidadãos ou membros de uma comunidade. Estamos em melhor condição material do que nossos pais e avós, mas sempre queremos mais. Esse sentimento é reforçado por uma infinidade de anúncios na TV e em revistas que demonstram o quanto nossas vidas seriam prazerosas se comprássemos os produtos certos, as comidas certas, as roupas certas. Quanto mais ligados estivermos em uma vasta rede de consumo, mais solitários nos sentiremos. Como a economia nos oferece um número cada vez maior de opções, tornamo-nos cada vez menos contentes, perguntando a nós mesmos se nossas escolhas foram corretas. Nossos padrões de beleza, nossas expectativas de sucesso e nossa demanda por uma felicidade contínua e incansável nos deixam insatisfeitos com um mundo no qual ficamos cada vez mais gordos por comermos comida rápida de má qualidade e usarmos instrumentos que nos poupam da movimentação física, um mundo em que nosso tempo para lazer é cada vez mais esvaziado e em que compramos, desesperadamente, um livro de autoajuda atrás do outro em busca de um sentido e de felicidade.

Há esperança?

Há algo que possamos fazer?

Como indivíduos, temos de fazer opções quanto ao modo como vamos lidar com essa situação. Também temos oportunidades que não costumávamos ter. A psicologia moderna aprendeu muito sobre a ansiedade nas últimas décadas. Sabemos muito mais do que sabíamos sobre a origem da ansiedade, o modo como ela opera no cérebro e a natureza dos padrões comportamentais que ela gera. Tudo isso pode ajudá-lo a entender o papel que a ansiedade desempenha em sua vida. E compreender esse papel é fundamental para superar a ansiedade – e não eliminá-la completamente, pois, tal meta não é realista. Mas todos nós aprendemos a neutralizá-la, controlá-la e impedi-la de ser uma força debilitante que restringe nossa saúde e liberdade. Compreender a ansiedade, em poucas palavras, é a maneira de escapar de sua tirania.

A primeira coisa a entender acerca da ansiedade é que ela é parte de nossa herança biológica. Muito antes de qualquer registro da história humana, nossos ancestrais viviam em um mundo repleto de perigos que ameaçavam suas vidas: predadores, fome, plantas tóxicas, vizinhos hostis, alturas, doenças, afogamentos. Foi em face desses perigos que a psique humana evoluiu. As qualidades necessárias para evitar o perigo foram as qualidades desenvolvidas em nós pela evolução. Um boa quantidade dessas qualidades dizia simplesmente respeito a formas diferentes de precaução. O medo tinha a função de proteger; tínhamos de estar atentos a muitas coisas para sobreviver. Essa cautela persiste em nossa formação psicológica sob a forma de nossas mais profundas aversões e fobias. Esses medos eram adaptativos – de fato, instintos de sobrevivência, provenientes de tempos primitivos.

O próximo ponto a entender é que, por não mais vivermos naquele mundo primitivo, os medos que trouxemos dele não são mais adaptativos. Graças, em grande parte, aos efeitos da linguagem e da civilização, os desafios que encontramos em nossas vidas são bastante diferentes daqueles que nossos ancestrais encontravam nas savanas ou nas florestas. Ainda assim, nossos cérebros continuam a funcionar como se nada tivesse mudado. Somos dominados pelo instinto de correr de um jaguar faminto quando o que temos diante de nós pode ser apenas um cachorro latindo. Temos medo de tocar no prato que alguém usou porque nossos ancestrais tinham uma saudável aversão à comida contaminada. Sentimo-nos patologicamente retraídos porque, em outra era, um estranho podia facilmente nos matar; até mesmo um membro de nossa própria tribo poderia nos causar algum mal se fosse ofendido. Quando se trata de nossos instintos mais profundos, agimos como se estivéssemos ainda na Idade da Pedra, enfrentando as mesmas condições de então.

Estamos, em poucas palavras, agindo de acordo com um conjunto de “regras” ultrapassadas. A evolução programou essas regras em nós como um meio de nos proteger de riscos. Tais regras são como uma espécie de software humano instalado em nossas cabeças – um software que tem milhões de anos. Todos instintos que temos nos diz que obedecer às regras nos manterá a salvo, quando talvez o contrário seja verdade. Nosso método de nos libertarmos da tirania da ansiedade será o de questionar tais regras na verdade, reescrevê-las. Isso implicará o exame das crenças irracionais em que se baseiam tais regras, pois essas crenças, quando não questionadas, exercem uma influência oculta, mas enormemente poderosa, sobre nossos pensamentos e nossos comportamentos.

Depois de questionarmos essas crenças, poderemos começar a revisar as regras que controlam a ansiedade, muito embora estejam profundamente enraizadas em nossa mente. Como conseguiremos fazer isso? Ocorre que a natureza, além de nos dar alguns instintos, também nos dá a capacidade – localizada, em sua maioria, em uma parte diferente de nossos cérebros, a parte que chamaremos de racional – de modificar esses instintos com base em nossa experiência. Essa é a chave para tratar a ansiedade. Não é o mesmo que “ser irracional” quanto a nossos medos. Isso não funciona: sabermos ou nos dizerem que um medo é irracional não o faz ir embora. Entretanto, se pudermos de fato experimentar uma situação aparentemente perigosa repetidas vezes, mas sem consequências danosas, nossos cérebros aprenderão a ser mais racionais e menos apreensivos. Acontece a todo momento na vida. Tudo que é preciso é criar um programa em que possamos, regularmente, ter uma experiência que cause medo, mas em um contexto que nos ensine que estamos seguros. Assim, ao longo do tempo, aprenderemos a diminuir nossos medos. Faremos o que a evolução não teve tempo de fazer – adaptar as regras às nossas circunstâncias atuais.