29 maio Por que a generosidade é a principal característica dos casamentos felizes
Ana Freitas
Pesquisas em psicologia comportamental mostram que pequenas conexões cotidianas com o parceiro estão associadas a relacionamentos felizes.
Nas prateleiras de livrarias nunca faltam obras que afirmam ter a solução para casamentos perfeitos. Não é à toa – o mercado para esse tipo de publicação só aumenta à medida que cresce o número de divórcios. No Brasil, eles aumentaram 160% em uma década.
Ao mesmo tempo, a psicologia comportamental tem um número limitado de pesquisas sobre relacionamentos. O motivo é que, para identificar padrões, causas e consequências, muitas vezes é preciso acompanhar casais por anos – e isso é trabalhoso e caro.
Mesmo assim, nos últimos 40 anos, quando as taxas de divórcio começaram a crescer nos EUA, alguns cientistas se dedicaram a entender o que faz um casamento dar certo com base no método científico. Seus resultados apontam para diferentes comportamentos e atitudes que podem ser resumidos em apenas uma coisa: generosidade.
‘Lutar ou fugir’
Em 1986, os psicólogos John Gottman e Robert Levenson, da Universidade de Washington, montaram um laboratório de pesquisa comportamental para estudar casais. A ideia era identificar características específicas daqueles que permanecem juntos e felizes por um longo tempo e dos que se divorciam nos primeiros seis anos de relacionamento.
Na pesquisa, os cientistas ligaram eletrodos ao cérebro de recém-casados e os entrevistaram, juntos, com perguntas simples sobre o relacionamento. Fluxo sanguíneo, frequência cardíaca e quantidade de suor ficaram registrados e, seis anos depois, Gottman e Levenson voltaram a analisar os mesmos casais.
A partir de então, foi possível cruzar os dados da primeira entrevista com os status dos casais, divididos em dois grupos: os ‘masters’, que ainda estavam juntos e felizes, e os ‘disasters’, que já haviam se separado ou continuavam juntos, mas infelizes.
O que Gottman e Levenson observaram foi um padrão claro: os dados biológicos coletados na entrevista seis anos antes mostravam que os casais que se tornariam infelizes demonstravam mais inquietude, agitação e ansiedade.
Era como se eles estivessem se sentindo ameaçados, ou em permanente modo defensivo, apenas por estar na presença do parceiro. Quanto mais ansiosos pareciam os membros do casal, maior a chance de que eles fizessem parte do grupo de ‘disasters’ no futuro.
Apostas emocionais
Gottman entendeu que estava lidando com dois tipos de casais: os que tinham, de alguma forma, construído uma ligação de cumplicidade e conforto suficiente para que se sentissem bem na presença um do outro e aqueles que, por algum motivo, não conseguiram fazer o mesmo. Em 1990, iniciou outro estudo para identificar como casais bem-sucedidos construíam essa ligação. O cientista observou 130 pares, recém-casados, enquanto interagiam por um dia em um laboratório montado para simular o quarto de uma pousada. Na convivência cotidiana, ele identificou que o tempo todo os casais fazem o que o pesquisador chama de ‘apostas’ – que nada mais são do que tentativas de conexão emocional. Essas apostas podem vir por meio de uma tentativa de puxar assunto, de dividir uma impressão ou uma observação ou de fazer algum contato físico. Gottman registrou as apostas e as respostas, isto é, se o parceiro que estava recebendo a aposta interagia com ela de maneira interessada e se conectava, momentaneamente, ao outro, ou se a ignorava ou respondia com pouco entusiasmo. Depois de seis anos, Gottman voltou a analisar o status dos casais e a separá-los entre ‘masters’ e ‘disasters’. Em média, os casais infelizes tinham respondido positivamente às apostas em apenas 33% das tentativas na primeira análise feita seis anos antes. Aqueles que permaneciam juntos e felizes, no entanto, tinham registrado uma taxa muito maior de resposta: 87%. São quatro interações positivas para cada interação negativa ou neutra identificada nesses casais bem-sucedidos. “Os ‘masters’ têm uma mentalidade [específica]: eles estão sempre observando o ambiente e procurando coisas pelas quais podem agradecer [ao parceiro] e apreciá-lo. Eles constroem uma cultura de respeito e apreciação propositalmente. Os ‘disasters’ observam o ambiente procurando pelos erros do parceiro.” John Gottman Em entrevista ao The Atlantic Em estudo mais recente, Shelly Gable, professora de psicologia da Universidade da Califórnia – Santa Bárbara, também estudou interações entre casais e identificou padrões de respostas como um componente-chave para determinar o sucesso de relacionamentos. Em 2004, ela publicou uma pesquisa que analisa que a reação de um parceiro quando o outro compartilha boas notícias pode prever a qualidade do casamento. Dividir uma notícia positiva com o parceiro é uma aposta emocional, e por isso a pesquisa de Gable se conecta aos resultados observados por Gottman e Levenson. Veja o seguinte exemplo, frequentemente mencionado pela psicóloga em entrevistas para dar conta dos resultados que ela observou: Ação e reação Seu companheiro chega em casa muito animado e anuncia que foi promovido no trabalho. Você pode reagir com uma das quatro respostas: ATIVAMENTE CONSTRUTIVA “Isso é ótimo, você merece, estou muito orgulhoso”, e emendar perguntas. Isso transmite entusiasmo, apoio e interesse. PASSIVAMENTE CONSTRUTIVA “Isso é ótimo, amor!”, e então ir para um outro assunto. É positiva, mas não demonstra interesse. ATIVAMENTE DESTRUTIVA “Uau! Então você vai trabalhar até mais tarde? Você recebeu um aumento? Não acredito que eles escolheram você entre todo mundo”. Isto é, respostas que causam ou transmitem desânimo. PASSIVAMENTE DESTRUTIVA Pode tomar forma de egoísmo, com “Uau! Você não sabe o que aconteceu comigo hoje!”, ou “O que vamos comer hoje”, que ignora completamente o que o outro disse. Ela apurou que, das quatro, apenas o primeiro tipo de resposta, notoriamente a mais gentil, está associada aos relacionamentos mais felizes. Isso porque a resposta positiva amplifica a alegria do outro. Todas as outras três estão associadas a maior risco de divórcio no futuro. Generosidade na prática Quando alguém busca dicas sobre como conduzir um relacionamento de sucesso, encontra listas de recomendações que falam de comunicação honesta, perdão, tolerância e respeito, por exemplo, como elementos fundamentais. As pesquisas de Gottman e Gable não ignoram esses fatores, mas vão um pouco além deles. O ponto delas é que esses elementos não bastam se não forem demonstrados em forma de conexões emocionais ativas no relacionamento. Isso nada mais é do que ser gentil. Em uma entrevista de 2007 ao Harvard Business Review, Gottman diz que bons relacionamentos precisam de humor, afeto, diversão, bobagens, exploração, aventura, desejo e toque, que ajudam a estabelecer momentos frequentes de conexão e intimidade. No entanto, para que eles aconteçam, é preciso que os casais interajam positivamente com as apostas emocionais do outro. E para isso, precisam ser gentis e positivos com o outro. É muito mais fácil fazer isso, claro, se você respeita seu parceiro, tem uma comunicação aberta com ele, é tolerante e disposto a perdoar. “Parece simples, mas na verdade você poderia resumir todos os resultados dos meus estudos com a metáfora de um saleiro. Em vez de colocar sal nele, coloque todas as maneiras possíveis de dizer ‘sim’, ‘tempere’ seu relacionamento e ele será bom. ‘Sim, é uma boa ideia’, ‘Sim, você tem razão, nunca pensei nisso’, ‘Sim, vamos fazer isso, se você acha importante’”, explica Gottman.
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