E quando o problema é a bondade?

É comum ouvirmos frases tipo: “mas eu fiz tudo certo”; “eu fiz o melhor que pude”; “eu me entreguei por completo”; “os outros não me entendem”, etc. Esses ditos ou não ditos, pois às vezes verbalizados de fato e outras vezes mantidos no pensamento, geralmente acontecem quando algo deu errado. Um relacionamento que se rompeu, uma reprovação numa seleção, a notícia de uma doença grave, o insucesso em uma dieta… entre tantos. Os “bons”, nesses casos, são aqueles que fizeram tudo (certo?), mas de nada adiantou.

A bondade acabou não sendo boa para resolver o problema, pois não foi apropriada para tal. Quando se tenta resolver problemas que não tem solução, preocupando-se com coisas que estão além da realidade, na tentativa de controlar o incontrolável; são nesses casos, mas não apenas nestes, que possivelmente a bondade é transfigurada em motivo para ruminação.

A bondade se torna o problema. Problema não é doença. É a vida solicitando sua participação.

O fato é que existem problemas que não tem solução, principalmente para aqueles que sempre buscam pela solução perfeita. Nesse sentido, é comum as pessoas se auto-punirem por terem sido perfeitas, bondosas, terem feito tudo certo e, mesmo assim, as coisas não terem saído conforme o planejado. Isso passa a ser um tormento.

O “por que eu?” na verdade, pode ser uma forma de eximir-se da responsabilidade. Questionamentos assim não produzem soluções para o problema emergente, pois eles na verdade, o distanciam do foco do problema a ser resolvido.

Não há soluções mágicas nem mesmo para problemas simples. Aceitar a realidade não é tarefa fácil, mas se torna ainda mais difícil quando, nesses casos, a bondade passa a ser o escudo dos justos, dos infalíveis, dos perfeitos.

Ninguém está livre da decepção. Alguns lidam com ela de uma forma mais produtiva, mas outros não a aceitam e acabam se colocando como vítimas das mazelas do mundo. Passam a utilizar em si e para os outros, pesos e medidas desregulados.

A bondade produtiva é aquela que você sabe que poderá não ser correspondida. Lamenta-se por isso, mas não se enrijece perante a vida. A bondade improdutiva é aquele escudo contra a realidade, aquela forma de se manter longe do problema. Há lamentação por isso também, mas como manutenção do sentimento de não merecer tal desfecho.

Uma forma de virar esse jogo é aceitar a realidade e se comprometer com a mudança. Significa encontrar aquilo que realmente valoriza e estar disposto a encarar o difícil para ser feliz. É difícil aceitar o que não gostamos. Aceitação não significa ficar na inércia. Aceitação significa preparar o terreno para a ação. As coisas de que não gostamos irão continuar a existir, pois não gostar pode ser mais um indicativo de que não está sob nosso controle.

A aceitação pode ser o primeiro passo para a existência da mudança. Faz com que o problema passe a ser real, não necessitando do uso da bondade como um escudo, como forma de fuga da realidade. Usar a bondade dessa forma somente irá postergar o problema. Produzindo turbilhões de pensamentos que alimentam a procrastinação.

Aceitar, comprometer e agir sem intenções de ser perfeito, pois como já disse Salvador Dalí em relação à arte, mas aplicável também a arte do bem viver: “Não se preocupe com a perfeição. Você nunca irá encontrá-la”.

Desse modo, é possível reconduzir a bondade como sendo uma lança a favor da solução do problema e não um escudo que distorce a realidade. A solução de um problema começa a partir de seu reconhecimento, isto é, de sua aceitação, assim, discriminando o que é significativo para poder formular estratégias e soluções com sentido e que promova resiliência (superação dos obstáculos apesar dos pesares).

Flávio Hastenreiter
flaviohastenreiter@gmail.com