21 jun A dissolução do relacionamento
Aaron T. Beck
Porque surgem discussões amargas entre pessoas que presumivelmente se amam e que muito se importam uma com a outra? Durante o namoro a natural postura egocêntrica dos amantes se dissolve na fusão de suas preocupações e de suas próprias identidades. Os raios penetrantes do amor, que dissolvem diferenças de temperamento, de interesses e objetivos, ajudam a gerar o altruísmo e a empatia.
As pessoas que se amam querem agradar à outra pessoa. Gratificam-se quando uma faz a outra feliz e ficam tristes quando o ser amado está triste. Ao tentarem se agradar, procuram ver tudo do ponto de vista do outro.
Para muitas pessoas, sem dúvida, parte do pagamento desse auto-sacrifício e dessa subordinação dos próprios interesses está no alívio da solidão. Para outras, o puro prazer de tudo partilhar juntos tem o máximo significado. É como se não houvesse preço a pagar pelo que se sente a entrega amorosa e pela intimidade.
Como os interesses de cada um se mesclam em grande medida durante o namoro, a sensação de sacrifício é pequena. E as recompensas pelo preenchimento dos desejos do outro vêm em abundância. Não só há um reforço direto pela satisfação em agradar ao outro, como também um indireto: quando se imagina o prazer de ser amado. Com esse reforço contínuo, a motivação para que se renuncie ao egocentrismo é muito forte. A mulher apaixonada é altruísta porque quer ser – não porque “deve ser”. O homem apaixonado faz sacrifícios por quem ama porque lhe agrada assim proceder.
DA FUSÃO À FISSÃO
O que acontece então ao altruísmo do amor? Forças variadas podem provocar-lhe a erosão depois do casamento. Fortalecidos pela segurança do casamento, os que antes se sentiam solitários não mais vivenciam o relacionamento como um antídoto contra a solidão. Ambos podem descobrir que as suas necessidades não foram perfeitamente atendidas: podem achar que estarão mais bem servidos se satisfizerem os próprios desejos, mesmo que estes se oponham aos desejos do ser amado. Ao se desvanecer a gratificação pelo altruísmo, o casal pode se ver coagido pelas obrigações dos deveres, antes mencionados, e não pelos desejos genuínos de agradar ao outro. E quando cada um se sente obrigado a dar prioridade aos desejos do outro, os compromissos ou as concessões necessárias para qualquer relacionamento íntimo podem se transformar num fardo.
Inevitavelmente, à medida que cada um começa a realizar os próprios desejos e a atender os interesses conflitantes, vai surgindo a discórdia. Tanto um quanto o outro pode considerar os desejos do parceiro um sinal do ressurgimento do egocentrismo. E o outro passa a ser visto como egoísta, cabeça-dura ou sovina.
Naturalmente, essa sequência não ocorre em todos os casamentos. Na verdade, muitos casais descobrem que com o correr do tempo o seu egocentrismo diminui e evolui para a reciprocidade, para a co-participação e o desvelo. Contudo, os casais com dificuldade que tenho tratado mostram, uniformemente, a progressão do altruísmo para o egocentrismo.
Um aspecto crucial da egocentricidade no casamento está na diferença genuína no modo pelo qual cada um percebe a mesma situação. Não importa o assunto: a perspectiva de cada um vem filtrada por uma lente própria, que com frequência leva a pontos de vista diametralmente opostos. Como as pessoas costumam considerar as próprias opiniões como realidade, uma interpretação diversa do mesmo fato pode parecer-lhes irreal. A esposa que mostra perspectiva diversa do mesmo fato pode afigurar-se como pessoa que sempre contraria ou é arbitrária. Quando é o ponto de vista do marido que diverge, a esposa poderá vê-lo como “bobo” ou “infantil”.
Quando um dos dois insiste numa opinião “errada” em relação a um assunto importante, seja a educação dos filhos ou a economia doméstica, a atitude constitui um desafio capaz de gerar conflitos: quem está certo ou errado, qual a visão da realidade que prevalecerá, quem tem a voz dominante no relacionamento. Alguns respondem a tais desafios com uma afronta automática: “Você não sabe do que tá falando” ou: “Você está por fora”. Outros podem simplesmente se negar a mudar de opinião e se recusar a ouvir.